domingo, 21 de setembro de 2014

Contos de Maria Antonieta.


Começarei me apresentando, meu nome é Maria Antonieta, me conhecera mais ao longo de minha história.
Moro em uma parte um tanto afastada da cidade, gosto da calmaria. Sou dona de uma loja de livros, que fica na cidade mais próxima da minha casa, é um local do interior, que cultiva costumes antigos e a vida simples e agradável.
Na minha loja de livros já vi muitas coisas, algumas tanto quanto diferentes, outras fascinantes. Lá as pessoas encontram todo tipo de livro que lhes agradam, antigos, usados, novos, alguns carregando um p pouco da história de outro alguém, levando uma dedicatória em sua primeira folha.
A história que venho lhes contar é a de um garotinho diferente. Certa vez, em uma tarde de primavera, era sabão, um dia agradável, tempo fresco, eu colocara um xale por cima dos ombros, a loja estava vazia e eu estava no conforto da minha grande poltrona de couro, que fica no fundo da loja de frente com a porta de entrada, acompanhada pelo livro que eu havia escolhido para aquela tarde, Madame Bovary
Eu já esperava que nenhum cliente ou apreciador adentrasse a loja naquele dia, quando de repente, ao início da tarde, um garotinho que aparentava ter oito anos abriu a porta, entrando com um olhar curioso. Ele vestia botinas marrons, pouco lameadas, um casaco bege que não lhe cobria os pulsos, uma camisa branca de dois botões por baixo, uma calça de camurça de cor pouco mais clara que as botinas que calçava e, por fim, um chapéu preto, que tirara ao entrar.
- Posso lhe ajudar meu jovem? – perguntei colocando meu livro de lado.
Ele caminhou lentamente até mim, olhando atentamente para as prateleiras ao lado.
- Cansei de não aprender e de não saber nada! Quero um livro que me ensine algo, algo que eu possa mostrar que sei. – disse ele em tom serio, como se falasse de um assunto de extrema importância.
A principio sorri para aquele garotinho, agora mais perto pude ver que suas bochechas eram rosadas e tinha sardas, o cabelo dele era ruivo, olhos verdes e grandes que me encaravam esperando que eu dissesse algo.
- Pois bem, o que queres aprender?
Ele fez uma pausa, olhou para os lados como se fosse encontrar a resposta no ar.
- Não sei ao certo. – após completar a frase ele voltou a me encarar, agora seu olhar deixava claro que estava desapontado com ele mesmo.
- Então temos um grande trabalho a fazer, por sorte você veio ao local certo. – disse eu, com intuito de animá-lo.
Aquelas bochechas rosa agora estavam vermelhas e a boca do garoto esboçava um sorriso. Levantei da poltrona e fui à direção da prateleira do fundo da loja, logo ao lado de onde eu estava.
- Que livro e esse que a senhora estava lendo? É sobre o que? – disse me acompanhando e olhando para trás para ver a capa do livro que deixei sobre a mesinha ao lado de minha poltrona.
- Madame Bovary, é um romance. Queres aprender algo sobre romances?
Ele parara em frente ao início da prateleira e olhava fixamente para os livros, parecia estar fazendo uma análise minuciosa.
- O que tenho para aprender sobre romances? Não temos que aprender nada sobre uma coisa dessas, devemos apenas viver um romance. – me respondeu sem interromper sua análise.
A resposta daquele ruivinho me deixara abismada. Ele estava certo, um romance é apenas para ser vivido, mas eu adoro uma boa história de romance.
Após alguns instantes peguei um livro infantil da prateleira, era um sobre animais, com muitas figuras.
- Não quero um livro com figuras de animais, se eu quiser ver animais basta sair em meu quintal. – falou logo ao abrir o livro.
Coloquei aquele de volta no lugar, dei mais alguns passos a diante para sair da seção infantil, aquele garoto certamente era muito esperto notava-se logo ao olhá-lo. Antes que eu escolhesse o próximo livro o jovem me alertou:
Me de um livro que eu possa aprender algo, uma coisa que eu não vejo e que ainda não sei como funciona. 
Logo que ele disse aquilo pensei em algo e me pus a procurar um livro sobre aviões, naquela cidade não havia aeroporto nem mesmo um grande fazendeiro com um helicóptero. Os agricultores eram apenas do comercio local.
Entreguei-lhe o livro, ele o reprovou com o olhar, ficou olhando fixamente para o objeto que tinha em mãos.
Também não quero um livro sobre aviões, não me tem utilidade já que não pretendo voar. Para onde eu iria?
A resposta dele me fez sorrir.
Oras, mas pode ir para qualquer lugar que você queira. Visitar outros países e ver outras culturas. - tentei lhe mostrar que aquilo poderia ser interessante.
Não quero ir a outro lugar. Não entenderei o que estão falando se eu for para outro país e a minha casa fica aqui. - ele falava com muita firmeza.
Conformei-me. Ele era muito opinioso. Fui passando a mão nos livros.
Tem livros sobre casas, sobre geografia, sobre música…- fui interrompida ao falar este ultimo tema.
Mas a música é para ser ouvida, não lida. - parecia confuso com aquela ideia.
A música também pode ser lida, muitas canções são poesias e as notas que os músicos tocam são escritas.
Disso eu não sabia.
Quer um livro sobre música? - pensei ter encontrado o que aquela criança desejava.
- Eu não sabia, agora que me disseste já sei. Não tenho intenção de ser músico, não tem necessidade de aprender mais. Prefiro o cantar dos pássaros.
Voltei a falar-lhe os temas, talvez assim achássemos.
Algumas coisas sobre somos, maquinas, comportamento, idiomas, sobre o mar, culinária… - me interrompera de novo.
É isso!! - dizia cheio de felicidade.
Quer aprender sobre culinária? - perguntei meio sem entender.
Não! A outra coisa. Aquilo que disse antes. - ele parecia impaciente.
Ah sim, o Mar. - me virei para pegar os livros.
Sim! - a animação não saia daqueles grandes olhos verdes.
Peguei quatro livros.
Só um basta. - alertou-me.
Escolha qual livro quer. - ofereci os livros os esticando para ele pegar.
Ele por um momento alternou olhares para mim e para os livros que eu segurava de braços estendidos. 
Todos me parecem bons, ainda não sei sobre isso, escolha você.
Fiquei feliz com aquilo e escolhi um dos quatro livros. O entreguei ao menino, que se sentou no chão, no lugar onde estava.
Não quer se sentar na poltrona? É mais confortável. - sugeri ao ver que ele se preparava para ler ali mesmo.
Aqui está bom. - ele já estava lendo a primeira página e continuou sua tarefa.
Como eu poderia imaginar que ele se interessaria em ler algo sobre o mar? Ele havia me dito que queria algo que não sabia. Não há mar em nossa cidade, apenas um pequeno lago.
Sentei-me de novo na poltrona, tomei meu livro, voltei a lê-lo. De vez em quando olhava para o menina que ficara lá imóvel. Se movimentando apenas para virar a página. Estava totalmente compenetrado na leitura.
O livro que ele estava lendo era de leitura fácil, então em pouco tempo ele estava no final, leu rápido para alguém da idade dele. Mas eu sabia, ele não era igual aos outros da mesma idade.
Quando acabou o livro levantou-se e veio até mim.
E então aprendeu o que queria? - perguntei-lhe pegando o livro que ele me estendia.
O bastante. - respondeu apenas isso e parecia bem satisfeito.
Você me disse que deveria ser algo que pudesse usar. Para que vai usar esse conhecimento sobre o mar?
Para completar meus sonhos e entender as histórias em que ele aparece.
Agora eu entendera o porque ele quis aprender sobre o mar. Era um garoto que gostava de histórias.
Tens vontade de ver o mar?
- Não, agora que sei sobre ele não tem necessidade.
Quando eu pensei que havia compreendido o jovem percebo estar ainda mais equivocada sobre ele.
Quer aprender mais algo?
Não, agora não quero não.
Tenho livros sobre filosofia. - gostei da presença dele e quis mante-lo ali para que pudesse entende-lo.
Filosofia? Falar o que da filosofia? - ele não parecia interessado no tema proposto.
Sim, filosofar sobre a vida, cada filosofo fala sobre algo e um modo.
Para que? Já vivo a minha vida e desse jeito está bom. Não quero outra vida. Se quiser saber a opinião de uma pessoa sobre a vida prefiro perguntar a alguém que conheço. - o olhar dele era sério.
Tudo bem então. - conformei-me.
Ele olhou em volta e depois para a porta, começava a escurecer, provavelmente o sol estava quase no fim do seu pôr.
Eu já vou - ele colocou seu chapéu - gostei da tarde. - completou.
- Também apreciei a tarde. - acenei para ele com a cabeça;
Ele foi até a porta e lá parou para acenar para mim.
Volte mais vezes!
Quando eu precisar aprender mais eu voltarei. - disse por fim e saiu.
Após a saída do jovem me pus a sorrir. Fechei a loja pouco depois.
Eu gostava muito de ir de bicicleta para a minha casa, a estrada era de terra e minha casa ficava no meio do terreno, que deixava uma boa distância até a entrada. Pelo resto do dia fiquei pensando o quão intrigante era aquele menino. Ainda uma criança, mas de personalidade tão forte e tão decidido.
Outro dia já havia começado e o sol já raiva iluminando meu quarto. Era domingo e eu não abriria a loja. Uma manha clara e agradável com uma leve brisa. Dediquei a primeira hora do dia para preparar meu dejejum. Comi minhas torradas na varandas.
Ao cair da tarde decidi caminhar no campo. Depois de algum tempo vi a figura de um garoto ao longe sentado numa pedra na beira do vale, parecia o jovem que me encantara no dia anterior. Resolvi ir até ele.
Quando cheguei perto o garoto se virou, era exatamente quem eu achei que era, ele sorriu para mim.
Olá. - disse ele muito simpático.
Boa tarde.
Ele estava com a mesma roupa do dia anterior. Foi um pouco para o lado para que eu sentasse junto a ele, me sentei, ele olhava fixamente para a frente, o sol estava quase iniciando o seu pôr.
O que fazes aqui? - perguntei-lhe.
Estou aprendendo. - respondeu sem tirar os olhos do horizonte.
Aprendendo sobre o que? - perguntei, mesmo já sabendo a resposta.
Aprendendo sobre o pôr do sol. Quero saber o porque dele ser tão belo.
Eu ri ao ouvi-lo dizer aquilo, ele parou de olhar para aquela paisagem magnífica para olhar para mim.
O que? O que de engraçado? - ele realmente parecia não ver nada errado.
 Nada. Deixe que o sol se ponha.
Ficamos ali até o final do pôr e ele observando tudo atentamente. As vezes olhava para os lados para ver até onde o crepúsculo pintava o céu. Quando acabou olhei para o garotinho e ele tinha uma expressão muito pensativa.
E então?
Não foi do jeito que pensei. Mas agora sei que quando algo é belo e magnífico demais não se deve questionar as suas razões. - me respondeu em tom de seriedade.
Fiquei mais uma vez sem reação diante da fala daquele menino. A pouco eu achei graça do pensamento dele, por querer saber o porque de uma coisa simplesmente inquestionável, mas por fim ele achou a resposta. Aquele garoto me agradava.
Não tens de ir para casa? - perguntei, mas não obtive resposta. Ele permaneceu como estava, só depois de um tempo me olhou.
- Você parece saber o porque do pôr do sol ser mais belo que o nascer do sol, diga-me o que pensa sobre isso. - ele me fitava com um olhar curioso.
- Porque ao nascer sabemos que o sol estará lá pelo resto do dia, mas quando ele se põe sentimos sua falta apesar da bela companhia da lua. - foi o que eu sempre pensei sobre o pôr do sol, então foi a explicação mais sincera que pude dar a ele.
- Faz sentido. - ele olhou em volta e em seguida se levantou. - Tenho que ir.
Tome cuidado, jovem. - disse me levantando.
Sim. Foi bom ter te encontrado. Até mais. - ele deu um belo sorriso.
Até mais, boa noite.
Ele saiu andando calmamente na direção oposta a minha. Caminhei de volta para casa e preparei o jantar.
Passado uma semana, o garoto não havia voltado a minha loja, nem mesmo o vi pelas redondezas, mas por te-lo encontrado naquele final de semana prendi uma coisa muito importante. Aprendi que devemos questionar tudo uma vez, porque assim damos mais valor aquilo. E que as coisas talvez mais cotidianas, como o pôr do sol, pode ser a que merece mais atenção.

Se um dia o garoto voltar a me visitar lhes contarei o que ele me ensinará.

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